Ciências da vida

Quer ver uma estrela? Não olhe para ela!

Olhe para a foto acima e imagine uma noite sem nuvens, com ar límpido e na fase da Lua Nova. Além disso, que não haja excesso de luzes artificiais próximo de você. Este céu de escuridão imensa é uma maravilha. Incontáveis estrelas, certo?

Certíssimo! Seria muito difícil contar as estrelas, mesmo que você quisesse. E não é por causa da grandeza do número de corpos celestes. Vamos ver do que se trata.

Do que precisamos para contar algo?

Vamos imaginar o que é necessário para que possamos contar (numerar) algo.

Simplificando, primeiro devemos ter a capacidade de individualizar as coisas: com o uso de nossos sentidos. Nossas sensibilidades tátil (da pele das mãos, por exemplo) e visual (dos olhos) são as mais usadas para isso.

Em seguida, precisamos saber numerar as coisas, ou seja, atribuir uma ordem (nesse caso, crescente) para uma quantidade de objetos observados, o que depende de um cérebro funcionando bem. Funcionar bem quer dizer receber as informações (da pele ou dos olhos, por exemplo) e entendê-las em termos de forma, limites, tamanho, textura etc., algo a que somos estimulados desde nossa primeira infância.

Suponha que todo esse aparato esteja funcionando a contento. O que nos interessa daqui em diante é contar somente com a visão. Para isso, precisamos de definição visual do objeto a ser contato, delimitá-lo na forma de uma imagem. Precisamos ter a capacidade de individualizá-lo.

Como nossos olhos funcionam

Nossos olhos têm forma de globo, como pode ser visto no corte da figura abaixo.

Imagens adaptadas de https://smart.servier.com/

Essa figura é uma simplificação, pois nossos olhos são muito mais complexos. Apesar disso, ela servirá ao nosso propósito. Note que é uma vista lateral de um olho humano, como se tivesse sido cortado ao meio. A luz, após passar pela córnea (que funciona como uma primeira lente convergente dos raios de luz), entra nos olhos através de nossas pupilas. Logo em seguida, ela encontra outra lente convexa, o cristalino. A função do cristalino é convergir a luz para a retina, uma camada capaz de captá-la e que reveste mais de dois terços da superfície interna do olho.

 Na retina, a luz é captada por células chamadas fotorreceptores, que fazem um processamento inicial da informação trazida pelos raios luminosos. Em seguida, a informação é transmitida através de um nervo (nervo óptico) ao cérebro, onde, de fato, temos o processamento final e a formação da imagem do que “vemos”. A palavra “vemos” está assim, entre aspas, porque não vemos somente com os olhos, mas com olhos, nervos e cérebro.

Os fotorreceptores

Há dois tipos de fotorreceptores, chamados bastonetes e cones. Os bastonetes têm capacidade de perceber a luz em baixa intensidade, sendo responsáveis pela visão sem cor e de baixa definição, enquanto os cones são importantes para a visão de cores e alta definição, necessitando, por esse motivo, de maior intensidade de luz para desempenhar sua função.

Quando temos uma eficiente resolução espacial (ou seja, conseguimos identificar, dar forma e individualizar objetos), estamos fazendo uso dos cones. Assim, há uma quantidade mínima de luz (capaz de ser percebida pelos cones) necessária para que tenhamos uma visão com nitidez. Se a intensidade da luz é abaixo dessa quantidade mínima, ainda assim é possível que ela seja percebida, mas pelos bastonetes.

A figura abaixo é um desenho dos dois tipos de fotorreceptores. Note que uma das extremidades da célula (a que dá seu nome) percebe a luz e a extremidade oposta é a que vai enviar a informação ao cérebro, através do nervo óptico.

Imagens adaptadas de https://smart.servier.com/
Localização dos fotorreceptores na retina

Como dito acima, a retina reveste internamente a quase totalidade do olho. A resolução espacial é máxima na fóvea, uma pequena escavação no centro da retina que representa 1% de sua área. Quanto mais distante da fóvea, isto é, quanto mais para a periferia da retina, pior a resolução espacial.

A figura abaixo é um esquema do fundo do olho. É como se olhássemos bem de perto e de frente para o olho, através da córnea e da pupila dilatada. A fóvea pode ser vista delimitada por um círculo mais escuro. É nela que os cones estão concentrados, por isso, esta é a região da retina em que se formam as imagens com nitidez. Os bastonetes, por sua vez, predominam nas demais regiões, áreas com nenhuma capacidade de gerar uma imagem de alta definição.

Imagens adaptadas de https://smart.servier.com/

Curiosamente, o círculo amarelo da figura, por onde vasos sanguíneos entram e saem do olho, representa uma região da retina sem fotorreceptores, sendo “cego”. O “ponto cego” é uma preocupação para quem enxerga de apenas um olho. Para a maioria das pessoas, que enxerga com os dois olhos, a visão de um olho compensa o ponto cego do outro.

Tipos de visão

A visão dos cones é chamada de visão central e é aquela que usamos a maior parte do tempo – para ler, ver televisão, procurar algo, dirigirmos um automóvel. Também é a visão de que fazemos uso para contar. Por ser uma visão de alta definição, como dito anteriormente, necessita de uma quantidade mínima de luz para estimular os cones.

Durante o dia, usamos principalmente a visão central, pois temos abundante quantidade de luz. O mesmo ocorre à noite, em ambientes bem iluminados. É como se nossos olhos enviassem constantemente ao nosso cérebro imagens formadas por muitos pixels.

Já a visão periférica (da periferia da retina, como vimos) é dada principalmente pelos bastonetes, que têm pouca capacidade de definição. Essa visão é capaz de detectar movimentos, mas incapaz de individualizar e caracterizar formas adequadamente.

Por outro lado, em condições noturnas de baixa quantidade de luz, como ocorre na situação que descrevi no começo deste texto, os bastonetes dominam a percepção visual. Nessa situação, os olhos enviam ao cérebro uma imagem com poucos pixels. Daí vem nossa dificuldade de enxergar com boa definição no escuro.

Evidente que num escuro absoluto, sem qualquer luminosidade, enxergar é impossível. Quando olhamos o céu estrelado não estamos na escuridão absoluta, pois recebemos luz vinda das estrelas.

À noite todos os gatos são pardos

Já sabemos que os bastonetes não percebem cores. E que são eles os fotorreceptores estimulados em situações de pouca luminosidade. Este é o motivo de termos dificuldade de saber a cor de um gato (como qualquer outro ser vivo ou objeto) na penumbra. Daí o dizer popular que “à noite todos os gatos são pardos”.

Imagem de Mollyroselee por Pixabay 

Ao passarmos de um ambiente claro a outro escuro, precisamos de um processo de adaptação ao escuro (ou à penumbra), que nada mais é que aumentar a capacidade de perceber imagem com quantidades de luz cada vez menores. Os fotorreceptores que melhor se adaptam ao escuro são os bastonetes. Assim, na penumbra, os cones deixam de ser ativados, enquanto os bastonetes aumentam sua capacidade de enviar informações ao cérebro.

Por serem informações de baixa definição, não conseguimos perceber os traços faciais de uma pessoa ou ler um texto numa situação dessas, nem dizer qual é a cor do gato.

O que é olhar para alguma coisa?

Do ponto de vista do funcionamento, olhar para algo é movimentar os olhos de forma a colocar a fóvea para receber diretamente a luz que vem do objeto que desejamos ver. Significa direcionar para a luz a área de maior capacidade de definição visual.

Fazemos isso sem perceber, pois nos é natural olhar para algo. Quando olhamos, “miramos” o objeto com a fóvea. Ao querermos contar as estrelas, tentaremos obter uma imagem de alta definição em um ambiente com pouca luminosidade.

Nossos olhos promovem algumas adaptações nessa situação, dentre elas: um aumento do tamanho da pupila, para que mais luz entre nos olhos, e uma melhora da capacidade de perceber a luz pelas áreas fora da fóvea (regiões ricas em bastonetes).

A importância da visão periférica

Se você quiser ver uma estrela, depois outra, e muitas outras individualmente e contá-las, você terá que fazer algo pouco natural, que é olhar com a visão periférica, quer dizer, olhar sem a fóvea.

Trata-se de um contrassenso, usar a visão de menor nitidez para distinguir algo. Mas é isso mesmo: se quiser ver as estrelas, em especial as de menor luminosidade, desvie um pouco o olhar e elas aparecerão. Quanto a conseguir contá-las usando a visão periférica, será um grande desafio.

Além de permitir que enxerguemos no escuro, a visão periférica tem a função crucial de detectar (principalmente através do movimento) objetos ou seres sobre os quais devemos colocar nossa visão de detalhes. Essa capacidade do olho humano deve ter sido crucial durante a noite nas épocas em que vivíamos em locais ermos e pouco protegidos. Quando notamos alguém se aproximar ou um carro a cruzar nosso caminho, é a visão periférica “chamando” atenção da visão central.

Um pouco de diversão

1 – Gostaria de saber, de toda informação visual que você tem com os olhos abertos, quanto é realmente focado (ou seja, em que suas fóveas estão mirando)? Colin Ware, da Univ. de New Hampshire, sugere um jeito curioso de saber: estique seu braço ao máximo e levante seu polegar. A imagem da unha do seu polegar corresponde ao que está em foco nas suas fóveas.

2 – Olhe fixo para o “X” abaixo com o olho esquerdo tapado (se estiver lendo em um telefone celular, deixe-o na horizontal) e se aproxime ou afaste, devagar. Em determinada posição, a letra “A” irá desaparecer. Esse é o ponto cego do seu olho direito. Depois, tape seu olho direito, olhe fixo para a letra “A” e se movimente até o “X” desaparecer. Esse é o ponto cego do seu olho esquerdo.

3 – Na figura abaixo há 12 pontos pretos em cruzamentos, mas você só conseguirá ver um ou no máximo dois ao mesmo tempo. Lembre-se: é diferente da situação do céu estrelado, pois aqui há luminosidade e você está usando a visão central.

É chamada “ilusão de extinção de Ninio”. Isso porque… Bem, você já sabe por quê…

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