Computação

Pensamento Computacional, vida diária e Medicina

O que é pensamento computacional?

Você já ouviu falar de pensamento computacional (PC)? Talvez não, mas certamente já esteve diante de situações em que o PC foi utilizado. Se é que você mesmo não faz uso dele sem saber. Primeiro, PC não quer dizer saber utilizar computadores, tablets, telefones celulares etc. Ter habilidades no uso de tecnologias de informação e comunicação é o que se considera alfabetização digital.

O PC existe antes dos computadores e, de fato, poderíamos dizer que é um pensamento humano, uma forma humana de lidar com problemas que foi ensinada às máquinas para que estas, em contrapartida, nos auxiliassem na resolução de problemas de grande complexidade. Disso se depreende que o PC prescinde de um computador.

O PC é uma habilidade mental e abordagem analítica para resolver problemas e lidar com informações de maneira estruturada e lógica, inspirada pelos princípios da ciência da computação (e que a moldaram, como escrito acima). Essa forma de pensar aplica conceitos e técnicas utilizados em computação para resolver desafios em diversas áreas da vida, mesmo que esses problemas não estejam diretamente relacionados à tecnologia ou programação.

Quer ver como é muito provável que você já tenha usado o PC? Imagine que você precisa se arrumar para ir a uma festa e que a festa exige tipo específico de traje. Primeiro, você precisa saber se tem todas as peças de roupas e se as peças, quando ajuntadas, formam um conjunto adequado (se ao menos combinam). Para isso, você deverá deixar de lado as outras peças de roupas que não servem ao traje solicitado e que não combinam com as peças principais que você escolheu. Por fim, você executa seu plano – coloca as peças de roupa selecionadas, na ordem e combinação escolhidas e se olha no espelho, para avaliar se suas escolhas foram eficientes (se agradaram).

Habilidades cognitivas do PC

O PC envolve quatro principais habilidades cognitivas:

– Decomposição: capacidade de dividir um problema complexo em partes menores e mais gerenciáveis. Assim, é mais fácil entender cada parte isoladamente e, em seguida, trabalhar na solução de cada uma delas. (Em nosso exemplo: pensar em todas as peças de seu traje)

– Reconhecimento de padrões: identificar tendências, regularidades e estruturas em um problema ou conjunto de dados. Ao encontrar padrões, é possível desenvolver abordagens mais eficientes para resolvê-los. (Se as peças de roupa “combinam” e se parecem com um padrão “esperado”)

– Abstração: concentrar-se nos aspectos essenciais de um problema e ignorar detalhes desnecessários. Isso permite criar modelos simplificados que capturam a essência do problema sem se perder em minúcias. (Deixar de lado as peças de roupa que não servem à ocasião)

– Algoritmos: passos ou instruções precisas que levam à resolução de um problema. O pensamento computacional envolve a criação, análise e utilização de algoritmos para chegar às soluções mais eficientes. (Você junta as peças conforme as regras que criou, veste-se e vê o resultado no espelho)

A forma mais comum de se representar um algoritmo é como fluxograma. Cada figura geométrica (nesse caso somente retângulos) traz uma informação, às vezes uma decisão (por exemplo, “sim” ou “não”) e ramificações, até a conclusão. Imagem de Mohamed Hassan por Pixabay
Resolução de problemas

Essas habilidades podem ser aplicadas não apenas na resolução de problemas computacionais ou de programação, mas também em diversas situações da vida diária, como planejamento, tomada de decisões e resolução de questões complexas em áreas como ciências, matemática, negócios e medicina.

Além disso, o PC tem sido amplamente adotado em educação para ajudar a desenvolver habilidades de resolução de problemas, lógica e criatividade em alunos de todas as idades, preparando-os para um mundo cada vez mais orientado pela tecnologia. Países desenvolvidos já incluíram o pensamento computacional na educação básica. Há muito a ser ensinado e treinado com crianças acerca deste modo de encarar e resolver problemas, mesmo em situações “desplugadas”, ou seja, sem uma máquina, reforçando que o PC é uma abordagem para resolução de problemas.

O PC na vida diária

O PC desempenha um papel significativo na vida diária de muitas pessoas, saibam ou não disso. Alguns exemplos de sua presença em nossas atividades cotidianas:

– Usar um sistema de navegação GPS, como o Google Maps. Com o PC, é possível encontrar a rota mais eficiente, calcular tempos estimados de chegada e fazer ajustes em tempo real com base no tráfego.

GPS – mais uma das inúmeras aplicações do PC em nosso dia a dia. Imagem de Clker-Free-Vector-Images por Pixabay

– As redes sociais utilizam algoritmos de recomendação que analisam o seu comportamento, suas preferências e as conexões entre você e outros usuários para sugerir amigos, conteúdo relevante e anúncios personalizados.

– Quando fazemos compras online, algoritmos de recomendação e análise de dados são usados para sugerir produtos com base em compras anteriores, tornando a experiência de compra mais “personalizada”. Quem nunca visitou (ou, o que é mais assustador, conversou sobre algum produto próximo ao telefone celular) um site em busca de um produto e depois recebeu diversas propagandas sobre o mesmo produto em e-mail e redes sociais?

– Motores de busca, como o Google, usam algoritmos complexos para classificar e exibir resultados de pesquisa relevantes, considerando fatores como: palavras-chave, popularidade e autoridade do site. Autoridade leva em conta a qualidade da informação apresentada no site, bem como seu tempo de existência e o “engajamento” dos leitores.

– Existem plataformas de aprendizado online que utilizam algoritmos de recomendação para sugerir cursos com base nos interesses e nas habilidades dos alunos. Diversas áreas do conhecimento já utilizam isso em seus cursos.

Na medicina, por exemplo, há programas que funcionam como um assistente de ensino, fornecendo conteúdo e avalições sobre as atividades e o progresso do aluno. Esses programas podem identificar falhas na aprendizagem individual e, agrupando dados de centenas a milhares de alunos, mostrar falhas comuns de aprendizado, permitindo que os professores ajustem o conteúdo fornecido (real ou virtualmente) e tomem providências para reforçar a aprendizagem de tópicos específicos.

À medida que a tecnologia continua a avançar, a presença do PC em nossas vidas só tende a crescer, afetando uma ampla variedade de atividades e setores.

E na Medicina, como aparece o PC?

Além da possibilidade do uso de tecnologias e programas para auxílio no ensino médico, há mais a se comentar sobre o PC e a medicina. O método clínico, per se, faz uso do PC, sendo um grande exemplo de modo de pensar anterior à designação de “computacional”. Em especial quando levamos em conta as especialidades clínicas – é evidente que não apenas os clínicos, outras especialidades também, mas na clínica médica esse padrão de pensamento e atitudes se torna mais nítido.

Os clínicos são ensinados a decompor os problemas do paciente em grupos de sinais e sintomas de determinado órgão ou aparelho. Há, também, um estímulo para hierarquizar sinais e sintomas a partir do mais para o menos importante, e depois “destrinchá-los”.

Também ensinamos os alunos e residentes a buscar tendências, similaridades e regularidades entre quadros clínicos baseando-se em padrões (que chamamos de síndromes – grupos de sintomas e sinais característicos de uma doença ou um grupo de doenças) de sinais e sintomas mais comuns, sempre evitando dados fúteis (abstração). Muitos médicos devem desenvolver a habilidade de reconhecer padrões em imagens – de lesões de pele, de alterações das células do sangue (olhando-as ao microscópio), de alterações em exames radiológicos e outros exames de sangue etc.

O começo da aprendizagem médica exige elevado grau de abstração, mesmo de dados relevantes, para depois, com a experiência e a memorização de padrões de menor complexidade, ser possível adicionar camadas de complexidade até um nível menor de abstração. Note que decomposição e abstração muitas vezes são concomitantes e interdependentes.

Mesmo as decisões por quais exames complementares solicitar para a confirmação do diagnóstico ou por qual tratamento recomendar seguem algo parecido com um fluxograma (algoritmo). Os fluxogramas ilustram a maioria dos textos médicos que ditam as regras de como investigar e tratar uma doença (esses textos são chamados de diretrizes). E funcionam realmente como uma sequência de passos a seguir e condutas a tomar na dependência do resultado dos passos anteriores. Em muitas áreas, a definição do tratamento ocorre segundo resultados de exames, que podem indicar um de dois ou mais caminhos. Algoritmos só são úteis se resolvem problemas complexos na maioria das vezes em que problemas semelhantes se apresentam e de forma a utilizar recursos da maneira mais eficaz.

Áreas de aplicação na Medicina

Com os avanços de inteligência artificial (aqui, sim, utilizando o PC em máquinas com elevada capacidade de processamento), cada vez mais teremos o auxílio de algoritmos, em situações como:

– Diagnóstico e detecção de Doenças. Algoritmos de aprendizado de máquina e inteligência artificial têm sido aplicados com sucesso na detecção precoce de doenças e no diagnóstico preciso de condições médicas. Eles podem analisar simultaneamente grandes quantidades de sintomas e sinais do exame físico, dados de imagens e resultados de exames laboratoriais para identificar padrões difíceis de detectarmos.

– Medicina personalizada e genômica. O PC é fundamental na análise do genoma (sequência de todo o DNA presente em nossos cromossomos) humano para identificar variações genéticas associadas a doenças específicas. Essa informação genômica pode ser usada para personalizar tratamentos.

Veja uma célula humana. Em seu núcleo há 23 pares de cromossomos (estruturas semelhantes à letra “X”, na figura), que são formados por espirais apetadas (muito enroladas) de uma fita dupla de DNA. Veja o quanto é preciso desenrolar o DNA para ele voltar a ter o aspecto de uma fita métrica. O projeto genoma humano avaliou a sequência dos milhões de bases nitrogenadas (as letras A, T, C e G na figura) que constituem os 46 cromossomos que existem na espécie humana. Imagem de OpenClipart-Vectors por Pixabay

– Simulações e modelos computacionais. Ambos são usados para estudar o comportamento de sistemas biológicos complexos, como órgãos, células e tecidos, permitindo entender melhor seu funcionamento e desenvolver tratamentos mais eficazes.

– Descoberta de medicamentos. Algoritmos de aprendizado de máquina são usados para analisar grandes bancos de dados moleculares e identificar candidatos promissores para novos medicamentos, agilizando o processo de desenvolvimento de fármacos. Além disso, a experimentação com animais será cada vez menos necessária, pois modelos computacionais de predição das melhores moléculas para cada doença permitirão ganho de tempo e evitarão experimentos que resultariam infrutíferos, poupando a vida daqueles.

Conclusões

Além de desenvolver habilidades técnicas, o PC também promove habilidades de resolução de problemas, pensamento crítico e criatividade, que são essenciais em um mundo cada vez mais orientado pela tecnologia. Se usado como um facilitador, pode auxiliar na resolução de parte dos problemas da sociedade.

Para saber mais

Há vários vídeos muito bons sobre o pensamento computacional. Este abaixo é um dos melhores:

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